Quando percorri os labirintos noturnos dos meus sonhos Percebo meu olhar escancarado e a perda do brio de minha tez Renascendo de manhã, sem pesar, sem pesares... Ajunto os grãos, faço um café forte Que aliviam meus órgãos perdidos nas garras do Hades. Em vigílias insustentáveis, ando de noites a luares Enfureço ao ver que não o esqueço, charmoso, carinhoso; desmonto Minha farça de mentir que ele nada vale; tanto salvou desolados e oprimidos
Admito, por fim: sim, ele salvou a mim, fez-me vigorosa e confiante Vou lá, ensaio um toque à porta, esqueço o orgulho Vulnerável, quase chorando, Chamando-o de volta à minha felicidade
Louvando a dádiva de receber à inconsciência Energia, dons pra ser o Sol, a lua, o vento, a luz Na ilógica coerência que no alento me seduz Por ser única e original sua doce imanência
Espera o Sol em mim aquecer o abstrato Inquieta a lua em mim a esconder seu tato Desordena em mim o vento a deixar-me inerte Inebriando a luz em mim a orar: desperte!
Se tão pouco há de formosura Se tão pouco há de abastança Sobra meu ser em alva ternura Sabe o mistério que leva uma dança
O tempo passa e sempre me diz A vida é a graça de aprender, tecer A malha dos haveres e ser feliz Amando a sempre e mais a tez
Do ser que um dia se desprende Do medo e liberta o coração Dá a mão e, então , surpreende De tão inefável , ardente paixão
Sofro, tremo, arrepio. Mesmo o controle só vem tardio. Culpa, remorso, solidão. Motivo? Lamento, não sei onde se enfiou a explicação. Ninguém me entende. Decidi ficar com a fé e lembranças boas, embora eu me sinta de outro universo. Expio agora o que nem sei se compreenderei um dia. Abro mão de minha mente, pois meu espírito consente. Entrego-me. Ainda sem ser humana, sem ser humano. Espero. Desentendo. O silêncio me corrói tanto quanto as vozes ensurdecedoras escutadas só por mim. Muda, não muda, eis o que descobrir. Minha identidade, meu lugar, minha responsabilidade, que mais haverei de buscar?
Execráveis entes estes que introinvadem a carne, o sangue, o osso, o funcionar cerebral. Caverna abismal de trancas inxoráveis os abrigam com suportes mascarados, próprios pais. Choque! Delírio tenta negar, porém a nefasta dor dilacera tudo: resto... perplexa!
Envenenada pelo não nomeado, inscrito no sensitivo, endiabrado no coletivo, "pero no mucho''. Arde, queima, escoa e lesa, pesando o misterio a tapar a claridade, driblando todas buscas de oportunidade. Soçobro... Nesgas de futilidades, entrego-me, aquebrantada.
No vale das chuvas, onde reinavam corcéis alados e faziam brilhar suas crinas douradas, ela se perdia andando pelo teto com a pele sentindo as gotas de mel vindo das avessas núvens do arquipélago.
O silêncio, estrondosamente surdo, penetrava-lhe nas entranhas pelos órgãos perdidos e desviados de suas funções.
A brisa úmida, cheirando terra molhada, atingia-lhe as vistas pelo odor transmutado na movimentação pela percepção ininteligível.
As vozes pelo nariz se debatiam arrulhando o clima desse espírito inapreensível.
Ao tempo se servia, enquanto à morte não jazia, explodindo pelas veias o mel amargo a que sua sede não satisfazia, contudo o dourado expandia seu brilho pelos poros que tanto ardiam naquela transcedente vivência que a surpreendia.
No desvalor daquela existência malquista e desprezível subiam e desciam os ares compostos e decompostos em involuntárias recepções e doações à sua revelia.
No entremeio, após receber o sopro da vida um pouco antes de doá-lo, então sentia o nada, o tudo, a inutilidade de toda a algaravia imaginada de fractrais mentais dissolvidos no deslizamento sem fundamento deste decorrer do tempo paralizado nesse andamento.
Não enxergo luz no futuro. Estou com frio, medo, confusa. Parece que muita gente espera coisas de mim e sou depreciada porque não respondo. O mundo inteiro contra e querendo-me mal, embora isso não seja externalizado. Uma pressão forte no peito, muito medo e tristeza.
Desejo ser autora de minha história, escrever o meu destino, assinar minha identidade, com orgulho e liberdade, contra a hipocrisia e trivialidade, aguentando as pressões e as superando com minha personalidade. Possuo ser, interioridade, inatingíveis por quaisquer pretensas autoridades.
Sou bebê no saber, idosa no sofrer, jovem no incompreender...
Questiono a vida, questiono a morte, questiono a Lei, questiono a sorte... O que quer a dúvida nesta incômoda aguilhoada que perfura meu coração?
Tenho nome e história, família e memória, objetos e trajetória, só careço de projeto e vitória. Tenho estudo e sentimento, tenho lazer, divertimento, só careço de uso e fundamento, talvez discernimento. Tenho educação e cultura, só careço de estima e aventura. Tenho habilidades e defeitos, careço intimidade e respeito, talvez também de preceitos...
"A loucura é aterradora, posso assegurar-te isso, e vale a pena tê-la em conta: na sua lava encontro ainda a maior parte das coisas acerca das quais escrevo." (V.Woolf in 'carta a Ethel Smith')
Um surto psicótico abala a maior intimidade e os valores mais profundos de uma pessoa e ela se vê obrigada a revê-los e reelaborá-los, porém sem qualquer segurança transcendental como a oferecida pelas religiões.
Pode-se acreditar que as pessoas riem de si e que se é a causa de todos os problemas. Frequentemente há necessidade de se ser castigado. Sente-se um corpo monstruoso, os detalhes das coisas ficam sinistros, bestiais, aterrorizantes, sons não deixam ler, pensar, concentrar direito...
Eu tenho uma missão, temo não conseguir cumpri-la como deveria. Não possuo este íntimo conhecimento e vivência de loucura, o raciocínio-lógico rápido, a sensibilidade à transcendência e a facilidade espontânea com a escrita à toa. Alguns escreveram ou escrevem pelos analfabetos, pelos idiotas, pelos criminosos, pelos homossexuais ou pelos animais. Outros, como eu, escrevem pelos loucos, não para eles. Isso não é pouco ou fácil. Escrever pelos humanos realizados, adaptados, vitoriosos dá dinheiro, prêmios e reconhecimento. Mas escrever pelos loucos é admitir também os defeitos deles, não um elogio ou apologia à doença mental, todavia um dar voz através do reconhecimento e apresentação dessa condição de ser tal como é. Esta é minha missão, ainda que sabendo só a idéia já ser considerada algo de delírio de grandeza ou ideal inatingível que causará ainda mais dor, despreza e incompreensão se não chegar ao mínimo necessário da meta. Os obstáculos são tudo e todos e, no entanto, é essa a minha tarefa. Não de hoje, ontem ou amanhã, sempre foi. Apenas estou atrasada. Também o masoquismo primordial, freudianamente, é outro grande obstáculo.
Eu não me entendo. Escrevo, estudo, busco chaves pros mistérios que me tangem... Adorno minhas dúvidas, contemplando-as aereamente e deixando-as livres para se dispersarem por conhecimentos diversos. Às veszes, aproximo-me demais do meu cerne vulnerável e, de certa forma, perigoso. A verdade do ser que se pensa amedronta e pede pra ser encoberta, ao menos com uma fina camada de ambições e sonhos positivos. Então a esperança é renovada e coadunam-se todos os valores positivos e princípios primordiais para minha contínua caminhada em busca de mim mesma.